terça-feira, 17 de março de 2015

É a nossa chance de ruir dois projetos de direita


por Cléber Atabike


Mesmo que à primeira vista as manifestações dos dias 13 e 15 de março de 2015 pareçam uma derrota da esquerda verdadeira, elas podem ser muito úteis à luta anticapitalista pois esclarecem muito bem os desafios que teremos que enfrentar. Apesar de terem sido protestos de direita, é interessante notar que estas pessoas não estão passivas e sim reagindo aos acontecimentos recentes, mesmo com ingenuidade política, preconceitos de classe e, em alguns casos, maldade.
É claro que é inútil tentar convencer neonazisras, - e similares a lutar por uma sociedade igualitarista, humana e com participação popular.  Mas podemos investir nas pessoas que estão indo às ruas por ingenuidade política ou mesmo por preconceito de classe. Elas, como nós, querem mudanças.
Lembremos que na última eleição houve 30% de não votantes (boicote e voto nulo), mesmo o voto sendo legalmente obrigatório, mostrando que a população brasileira não acredita no sistema político. Mesmo entre os que participaram da farsa eleitoral, não vi, em nenhum momento, ninguém com camisa nem retrato do Aécio ou da Dilma em casa. De modo geral, quem escolheu um candidato na verdade votou contra o outro, vota no menos pior.
Passada as eleições e as medidas anti-populares do começo do mandato de Dilma, explodem duas reações populares de direita, as dos adeptos do projeto neodesenvolvimentista/neoliberal do PT e do projeto estritamente neoliberal e anti-polular do PSDB.
A reforma política, pelo que percebi, foi a principal reivindicação dos protestos do dia 13. Penso que é hora de explicar que tais reformas, se ocorrerem, serão uma farsa. É ingênuo demais acreditar que os próprios beneficiados do sistema político atual operem mudanças que tirariam seus privilégios.  Seria mais uma vez o velho protocolo brasileiro de dirigismo estatal que blinda o povo de participar das decisões.
Devemos explicar que criticar a corrupção generalizado apenas como se o problema dependesse do fim de casos pontuais de desvio de conduta, como fizeram a turma do dia 15, é atacar a superfície do problema.  Nosso sistema político faz com que boa parte dos que estiverem no poder estejam envolvido com falcatruas. Por mais que possam existir políticos honestos, o problema é estrutural, e não pontual. Pedir impeachment é só pedir que se troque o ladrão. A questão de fundo é que o estado é um grande balcão de negócios de interesses privamos e corporativos, totalmente blindado contra o controle social.
Não me surpreendo com os sucessivos escândalos de corrupção.  Não é porque não me sinta indignado, mas porque compreendo que por mais que existam mecanismos cada vez mais eficazes de vigiar e punir os infratores, se o sistema político não mudar, novos corruptos surgirão como minhocas que se multiplicam assim que cortadas em várias partes.
Mesmo ficando claro que a grande maioria dos casos de corrupção tenham raízes no financiamento privado ilimitado de campanha, não acredito que somente o fim deste mecanismos reduzirá a corrupção. Nas épocas que não haviam tantas campanhas eleitorais ou quando as campanhas eram mais baratas. Como no regime militar, havia menos corrupção?  Claro que não. Se o financiamento de campanha for estritamente público e a mesma classe de político estiver no poder, ela descobrirá outras formas de praticar corrupção.
Devemos explicar à população que tanto o projeto do PT quanto do PSDB são muito pouco comparados com as potencialidades da nossa sociedade. Tenho certeza que podemos construir opções melhores para o futuro. Devemos explicar às pessoas que foram a estes atos que com ou sem Dilma, com Michel Temer ou Eduardo Cunha, com Aécio Neves ou Marina Silva, o velho modelo de estado burguês permanecerá em pé como um zumbi que não sabe que está morto.
Acima de tudo é importante mostrar que existe uma terceira via, que é possível construirmos outro sistema, que passa pelo ataque ao estado burguês, ao capitalismo epela consolidação do poder popular. Sei que o caminho pode ser longo, mas devemos mostrar que o sistema político só será minimamente respeitoso com a população quando o povo puder participar livremente das decisões políticas e deixar de pedir e começar a impor sua soberania, independente de quem esteja nos cargos administrativos.
Temos que explicar que participação popular implica ativismo, erros, acertos, dor e aprendizagem. Mas como aprender sem praticar, sem errar e aprender como os erros?
Os protestos de junho de 2013 começaram com a esquerda verdadeira, apartidária. Avalio que eles se tornaram gigantes exatamente porque diversas tendências ideológicas que estavam insatisfeitas como o governo dividiram os mesmos espaços. O Estado foi pego de calças curtas e, em certos momentos, a imprensa e até mesmo a própria polícia perderam legitimidade perante à opinião pública.
Baixada a poeira de Junho de 2013, nós continuamos na rua enquanto os setores ideologicamente burgueses voltaram pra casa para reclamar da vida. A imprensa e o governo, muito preocupados principalmente na época com a Copa da FIFA, foram aperfeiçoando os mecanismos repressivos e de dominação ideológica. Durante a farra da FIFA, conservadores, a maior parte da população estava passiva. O que vimos em seguida foi o recrudescimento e aperfeiçoamento do fascismo pelo estado. Talvez nunca desde os anos de chumbo, no período militar, houve tanta perseguição a militantes como agora.  Se o estado se preocupa tanto conosco, se investe tanto na nossa repressão, é por que estamos incomodando, é porque estamos no caminho certo.
Mas o que estava acontecendo com as pessoas que não estavam frequentando os atos de ruas?  Posso estar errado, mas penso que depois de junho de 2013 também os conservadores discutiram mais política e se reconheceram melhor ideologicamente.  Suas identificações ideológicas não estavam sendo expressas nos protestos populares, mais sim nos bate-papos diários, em discussões de facebook e etc. Só percebemos isso agora, com os protestos do dia 13 e 15.
Obviamente, são manifestações que incomodam muito menos o poder, pois defendem duas opções de estado burguês. Aposto meu fígado que não houve nem 1% da repressão a militantes que nós sofremos. Mas há um aspecto muito positivo à nossa luta: Talvez mais do que nunca as pessoas estejam deixando claro suas concepções.  Lembro como foi a reação dos setores ideologicamente burgueses, da direita mais atrasada, após a reeleição de Dilma:  misoginia, racismo, preconceito contra nordestino. Do lado dos pró-Dilma, nenhum elogio à ela, nem ao Lula. Foi quase como se dissessem:  Tá ruim mais se mudar piora. Ou essa:  A gente quer fazer as reformas, mas o PMDB não deixa, o congresso não faz a reforma política... enfim, eles estão falando o que pensam, e por mais odioso que seja, isso é bom. Os protestos dos dias 13 e 15 deixam claro o reconhecimento, entre tais os setores, o que cada um pensa, o porquê uns preferem o PT e outros o PSDB, mas principalmente a fraqueza das duas propostas.
Acho pouco provável que, como em junho de 2013, diferentes tendencias ideológicas estejam juntas sobre no mesmo chão juntos. Nos resta agora mostrar a eles as contradições de suas ideias, mostrar o conflito de classe que está escancarado, fortalecer as bases populares e assim aumentar o número de pessoas que frequentam manifestações realmente contestadoras da ordem vigente. As estruturas do estado atual estão ruindo, e quando cair, que seja nas mãos do poder popular igualitarista, humanista e internacionalista. Estejamos sempre nas ruas, porque na guerra de ideias, nossas armas são mais poderosas.