segunda-feira, 24 de outubro de 2016

PORQUE OLHAMOS FOTOS ANTIGAS



        Mergulhar em uma rotina maçante é algo tenebroso. É estar forçado a estar mudo, sem significar as ações diárias. É mergulhar o tempo interior nos minutos e enxergar somente seus segundos. É sentir que o constante carregar do grande peso diário pode ser inevitável e eterno.
        Mas se isso fosse totalmente verdade, como explicar porque sentimos uma certa necessidade de recordar o passado?  Porque olhar fotos nos desperta tantos sentimentos? As marcas do tempo nas ruas, nas coisas e nos corpos nos dizem que alguma coisa há além dos constantes esforços sem sentido.
        Temos em nós um intrigante instinto chamado saudade, que ao mesmo tempo causa prazer e medo. Este instinto nos impõe a negar o dilema de Sísifo. Tenta nos mostrar que estamos caminhando, mesmo que não saibamos para onde ou nem mesmo percebamos as mudanças na vida. Olhar fotos antigas nos joga na cara que o tempo nos faz sempre perder algo. Por outro lado, ver com uma face era mais jovem do que hoje e perceber que fizemos parte da história de outras almas revela que as coisas mudam, e cada mudança nos construiu.
        Alguns clástos, ou mesmo poeira da pedra que carregamos diariamente caem do outro do lado da montanha. Se pensarmos sobre nosso passado, se alargarmos nosso campo de visão do tempo para além dos enormes segundos do pesado subir diário da montanha, perceberemos que degraus são ultrapassados sem que percebamos. Mesmo que a vida tenha milhares de esforços de Sísifo, ela toda sempre muda e nunca voltamos mais ao ponto inicial do caminho.

       

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

É MELHOR ACREDITAR QUE A VIDA FAZ SENTIDO?

        Acho sinceramente que procurar o sentido da vida é nega-la.  Se a vida vai para algum lugar, se tem uma finalidade, então temos que orquestrar bem nossa morte para garantir esse sentido. Porém quanto mais pensa-se na morte, mais esquece-se a vida. A transcendência no fim é a negação da vida. Veja, por exemplo, os vários símbolos do cristianismo relacionados à morte:  crucificação, ressureição, paixão de cristo e etc..... Negar o sentido da vida é valorizar somente o que temos, a vida. 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

GOLPISTA DOS ATOS “FORA TEMER”

        Como é duro estar no presente! Viver sem a dúvida sobre o que fazer pode ser a maior das utopias humanas. Aos mesmo tempo é libertador saber que ela é impossível.
        Ontem eu fui ao ato Fora Temer. Estava angustiado. Sabia que lá encontraria defensores do PT, que é um partido que considero indefensável. Por outro lado, também achava importante reagir ao avanço do capital que este governo golpista representa. Sabia que a história é implacável com os erros. Os passos agora são decisivos. Percebi que muitos companheiros, radicalizados como eu, tinham diferentes opiniões sobre o que fazer. Decidi ir e ver quem e quais seriam as posturas dos manifestantes.
        De cara, me espantou a quantidade de gente, sinal que o clima vai esquentar daqui pra frente. Qual não foi minha surpresa ao perceber que estavam lá juntos todo o espectro da esquerda e pseudoesquerda, de black-blocs a petistas. Todos agora têm um inimigo em comum.
        Cheguei à conclusão que devemos ir aos atos Fora Temer. Gritar Fora Temer, mas xingar todos os pelegos que entoarem “Volta Querida” ou coisa do tipo. Vamos lembrar que o PT também é culpado pelo golpe. Petista também é golpista. Lembremos:




       A função de quem quer mudanças verdadeiramente emancipatória é rechaçar não somente o avanço do neoliberalismo, mas toda a trama de cooptações que resultem em conciliação de classes. 


terça-feira, 23 de agosto de 2016

EXCLUÍDOS DA FARSA


NOSSO FUTEBOL PRECISA DAS MULHERES


Mais de 40 bilhões de reais gasto pelo governo e eis um dos legados das Olimpíadas.
Adorei o futebol feminino. É um misto de futebol antigo e amador. Achei que as jogadoras são bem menos agressivas entre si e com os juízes. Elas poderiam fazer o mundo do futebol bem menos machista e violento.
Tive a impressão que o torcedor tem muito mais empatia com a seleção feminina do que com a masculina. De mesma maneira que a maioria da nossa população, as jogadoras são trabalhadoras com renda e estabilidade profissional bem menores que as dos homens. Tenho certeza que o futebol feminino seria um sucesso no Brasil, resgataria o espírito da várzea. Talvez por isso não estejam aparecendo novos craques.
Estas não poderiam ser as verdadeiras vitórias da seleção feminina? Não é medíocre olhar somente o resultado final?
Aliás, como cobrar resultados se elas nem mesmo têm um campeonato nacional no seu próprio pais? A mentalidade burra de ajuste fiscal e machismo também assola os vampiros que dirigem a CBF.


http://globoesporte.globo.com/blogs/especial-blog/bastidores-fc/post/cupula-da-cbf-discute-extincao-de-selecao-permanente-de-futebol-feminino.html?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_content=Esporte&utm_campaign=globoesportecom


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

É HORA DE MAIS UM GOLPE

       Vivemos um momento de avanço do neoliberalismo no Brasil. A situação é complexa, há guerras de narrativas nem sempre bem debatida na população. A força do sistema que se impõe sobre a nossa vida pode fazer muita gente bem-intencionada servir à opressão exercida pela castra política, pela imprensa, pelo rentismo e pelo judiciário.
         Foi quase impossível não ser influenciado por todo o teatro judicial e midiático do impeachment. Ficou muito claro que todos os atores deste processo não merecem nossa confiança. Sou da opinião que o impeachment foi um golpe palaciano, dado de quem está ao lado do poder. Mas acho que não vale a pena aprofundar a discussão sobre a definição do que ocorreu. Deixo a conclusão para a história. Quero mostrar que, querendo ou não, corremos o risco de reforçar as ferramentas do sistema que agem contra nós mesmo. Ou seja, acordo de classes, eleições e judiciários são campos de batalhas contrarrevolucionários, dos quais é impossível evitar suas contradições. O golpe foi dado, façamos que ele atinja o sistema, e não a gente.
          Mesmo que o governo Temer seja bem pior do que seria o governo Dilma se ela continuasse, o que adianta ressaltar o pouco que a classe trabalhadora perde com Temer no poder ao invés de Dilma? Qual segurança teríamos de que Dilma frearia o ajuste fiscal iniciado no começo de seu próprio governo? Lula de volta também não daria em grande coisa. Com esta mesma estrutura de poder, seria pedir outro golpe.
           Vivemos em um momento em que executivos e políticos têm medo de ser presos. Porém penso que punir mais burgueses não significa que a justiça esteja sendo menos parcial. Significa simplesmente que o punitivismo está maior, tão grande que chega a alguns de cima.  Se a estrutura do poder não mudar, para cada burguês preso muito mais pobres negro também o serão, preservando a maioria de desfavorecidos nas cadeias.
         Pode parecer desolador ter um governo tão explicitamente reacionário no poder, mas lembremos que os momentos de nossa história em que a classe trabalhadora mais obteve direitos foi no governo Getúlio Vargas, com as leis trabalhistas, e no governo José Sarney, com a Constituição de 1988. Nenhum destes governos foi eleito, nenhum deles nem se quer foi considerado de esquerda. Os direitos foram conquistados com consequência de decadência de governos conservadores. Não foi por interesse de nenhuma conciliação de classes, como propõe o PT, que hoje minorias como negros, LGBTs e mulheres obtiveram os direitos que hoje têm. Foi porque a população pressionou o poder para tal.
         É este o caminho.  Pode não parecer, mas o estado burguês é dialeticamente permeável à rua. Mesmo que a castra política, a imprensa, o rentismo e o judiciário continuem dando as cartas, não são tão fortes e unidos quanto tanta gente da esquerda pensa. Todas as bizarrices que presenciamos no impeachment mostram o que os uniu foi somente a incapacidade do governo PT em manter o acordo de classe. Agora vive-se as contradições do um governo de ultradireita considerado ainda menos legitimo pela maioria. O sistema político está mais suscetível às forças de ação dos oprimidos. É hora de mais um golpe, vindo de baixo do poder.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Nossa força contra do estado, e não contra nós mesmo

      Recentemente estávamos no metrô, por volta das 11 da noite, voltando de uma festa e uns 8 garotos, em turma, pularam a catraca. Foi tão rápido o vigia não pode fazer nada mais do que tentar dar uma rasteiras nos que estavam mais próximos. Fiquei contente em ter visto a cena. Acho que tudo mundo deveria fazer o mesmo. Circular pela cidade é um direito de todos.

       Mas foi triste ver a reação do vigia, um senhor velho e baixo. Ele pegou uma barra de ferro em forma de T, e dizia nervosamente: - Próximo safado que quiser passar aqui eu dou logo na cabeça. Que negócio é esse? A gente tem mesmo é que matar esses bandidos....

   Neste mesmo dia eu tinha ouvido, involuntariamente, uma destas ladainhas clichês no ônibus: - Nós que somos trabalhadores não temos direitos humanos.... policial pega bandido e vem os direitos humanos querendo defender...

    Nossa sociedade é violenta, acredita em soluções autoritárias para todos os conflitos sociais, legitima o violência do estado de maneira cruel. Acredita que a repressão não é a causa, e sim a solução de nossos conflitos.

    Tenho profunda empatia pelos garotos que pulam catracas. Usemos nossa força contra do estado, e não contra nós mesmo.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Poesia

Vulcão

Sussurro do solo, rouco.
Som não ouvido, som profundo.
Vem debaixo da crosta do mundo
Por que não ouvi-lo?  Por que tão pouco?

Vêm donde o ódio ao velho carcomido
gera ânsia violenta por destruição.
Vêm debaixo da crosta do mundo.
Feios roncos da nascente geração.

Por que não ouvi-lo?  Por que tão pouco?
Se trarão o que há lá do fundo.
Se nosso belo solo, é pobre e oco.
Se nosso ar vibra um som envelhecido.

Quero o som do fundo.
Que os roncos virem gritos, e os gritos ação.
Que tudo debaixo da crosta do mundo,
suba e cause destruição.

Cléber P. Calça

sexta-feira, 25 de março de 2016

TRÊS VERSÕES DE ESPARTACO




Como é bom ler romance históricos!!!! Acabo de ler o livro de Espartaco, Howard Fast.

Sempre evitei ler versões de histórias em literatura depois de conhece-las em filmes. Mas no caso da genial e comovente Espartaco não deu, li logo o livro assim que o tive em mãos.

Espartaco é um personagem histórico, ex-gladiador, liderou um exército com homens e mulheres que fugiam da escravização. Não me peçam para demonstrar o que foi histórico e o que foi literatura. Mas a verdade é que na história que conheci ele nasceu escravo e era koruu, ou seja, filho e neto de escravos. Trabalhou em uma mina na Líbia, foi comprado por um lanista (negociante e treinador de gladiadores) e levado para Kapua para ser treinado nas artes de combate. Lá pelas tantas dos acontecimentos os escravos fazem um motim, conseguem a liberdade, vão libertando escravos em várias localidades e formam um exército qua combateu contra Roma.
Tanto o personagem histórico quanto as três narrativas escancaram a legitimidade dos oprimidos em se rebelarem e o valor da luta por liberdade. Mais do que isso, retratam que as bases do que chamamos civilização e do estado é, no fundo, pura violência e controle social.

Espartaco foi o símbolo da revolta do povo, cujas ações ameaçaram de fato o poder. Tanto é verdade que Roma dispensou grande quantidade de recursos e sangue de soldados para vencê-lo.  Charles Hainchelin em A Origem da Religião, chegou a especular que se o exército de escravos tivesse vencido Roma, hoje não seríamos cristãos. Espartaco seria uma espécie de substituto materialista de cristo. Enquanto Jesus morreu na cruz como o salvador e prometia salvação após a morte, o líder dos escravos prometia libertar o homem na Terra, e foi crucificado junto aos seus iguais.

Recomendo as três versões, porém, se for escolher uma delas, escolha o livro de Howard Fast.  Na maioria das vezes, penso eu, a arte literária nos dá muito mais que o cinema. Apesar disso, o filme de Stanley Kubrick de 1960 foi simplesmente o melhor filme que já vi!!!  É interessante que no livro Espartaco não aparece tanto nas cenas. Howard Fast muitas vezes lança mão dos efeitos flash back, em que os acontecimentos são contados pelos próprios personagens. Espartaco aparece muito menos que nos filmes. Esta liberdade proporcionada pela literatura acho que complicaria o grande épico filmado 1960, que foi narrado de forma bastante linear. 

De qualquer forma na versão de Stanley Kubrick incluiu cenas simplesmente memoráveis, como quando os escravos dizem que todos eles eram Espartaco (já chorou vendo-a) e a cena final em que Varinia, sua mulher, apresenta-lhe o filho do casal durante a crucificação de Espartaco.

Já o filme mais recente, de Robert Dornhelm, me deixou um pouco irritado no começo, pois gostei tanto da primeira versão que senti que estava vendo um pecado ao perceber a história sendo contada de outra maneira. Ao longo das cenas percebi que Espartaco era retratado de forma mais humanizada e não como um herói como no épico dos anos 60. No final admiti que o filme é muito bem feito e também vale a pena.

Por isso, se forem escolher, vejam todas as três versões deste fantástico símbolo das lutas dos oprimidos.


quinta-feira, 17 de março de 2016

FARSAS DO PUNITIVISMO PETISTA E DA OPOSIÇÃO


       As últimas semanas foram bombardeadas pela mídia e pelas redes sociais com constantes notícias sobre as tentativas de impeachmar a Dilma e de aprisionar Lula. Tudo veiculado, infelizmente, por uma mídia não investigativa, sem pensamento crítico nem ceticismo, que vomita discursos acusatórios com argumentação rasa e que encontra um alto-falante em um grande público também habituado ao simplismo intelectual.
      Não me interessa aqui, me embrenhar nos pormenores legais e jornalísticos. Acho que reduzir a discussão a isto esconde as verdadeiras questões de fundo, que são políticas. A facilidade com que pessoas vão presas em nosso pais, em sua maioria negros e pobres, deixa claro o projeto punitivista dos nossos magistrados e da imprensa. Como confiar que sistema judiciário tão classista possa fazer justiça? Como acreditar em notícias vindas de um jornalismo que em grande parte incita constantemente a população contra os menos favorecidos, como nos programas policiais de TV? 

    Discursos punitivos e linchatórios são cotidianamente usados pelo estado e por boa parte da população como arma política contra os mais pobres. Em uma época em que a população se volta contra o governo, nada mais natural que tal ira recaia sobre os detentores do poder.

      Muito se escreveu na internet sobre o porquê o PT é o algo principal das acusações de corrupção e não outros setores da direita. Quero lembrar que, apesar de isto ser verdade, o PT alimentou o crocodilo que hoje quer comê-lo. Nosso pais se tornou a terceira população carcerária do mundo no governo petista. Ocupações militares em favelas e massacres de índios e camponeses também são tristes marcas recentes das ações do governo federal, violências largamente maiores que a coerção que nosso ex-presidente foi recentemente submetido. Se ele sofre tentativa de linchamento público, está sofrendo as consequências da dissimilação do fascismo que teve oportunidade de enfrentar e não enfrentou.
      Se existe algum mártir este mártir é a população mais pobre. Tornar herói um dos cúmplices de tanta violência de estado é manchar as mãos de sangue, é antes de tudo cinismo.

      O mais importante agora, penso eu, é refletirmos sobre como as pessoas reagem aos acontecimentos. Percebi no facebook muitas tendências. Há os que aderem ao discurso de ódio e de justiçamento. No campo mais à esquerda, há os que querem proteger o estado burguês de um possível golpe de setores ainda mais conservadores. Os mais revolucionários vêm em tudo isso um sintoma de enfraquecimento do estado e etc. Por outro lado, acho que falta refletirmos sobre porque tanta gente acredita tanto em punições como forma de resolução de problemas políticos, mesmo entre as pessoas mais à esquerda que pedem que as investigações da Lava Jato se estendam a políticos da oposição.

      Imaginemos que Lula fosse preso e Dilma saísse da presidência, certamente muita gente ficaria feliz. Ficariam com a sensação de alivio dos vingados, comum ao público que sente que suas liberdades individuais devem ser protegidas pelo estado. Já trabalham honestamente, pagam seus impostos... nada mais justo que o estado tire de cena aqueles que atrapalham estes “cidadãos de bem”. É como se Lula fosse o negrinho intruso no shopping-center amedrontando e estragando a festa dos playboys.   

     Porém o que a retirada de Dilma e Lula de fato melhoraria em nossas vidas? Michel Temer ficaria com o poder, Aécio Neves seria eleito daqui a três anos. E daí? O que nos asseguraria o fornecimento de melhores serviços sociais e diminuição das desigualdades sociais? Nada.
      O mesmo raciocínio pode ser feito ao encarceramento em massa de nossa população pobre, preta e periférica. Engaiolar pessoas em uma prisão insalubres as deixam melhor? Nos garantiria mais segurança?  A realidade mostra que não.
      Agora imagine que as punições de fato se estendessem aos políticos de oposição. Penso que a tendência seria o seguinte: A discussão política ficaria sempre atrelada aos trâmites investigativos e judiciários. Descobriríamos que um determinado político ou partido são corruptos e os substituiríamos para depois de um tempo descobrirmos que os substitutos também faziam o mesmo. Ou seja, nunca chegaríamos às raízes da corrupção. 

     Poderíamos fazer uma pergunta ainda mais profunda: as pessoas que hoje pedem o impeachment da Dilma e a prisão de Lula acreditam que isso de fato diminuiria a corrupção no Brasil?  Será que eles querem mesmo que o estado forneça melhores serviços sociais e diminuía as desigualdades sociais?  Sinceramente acho que não. Nem a era FHC nem a era Lula/Dilma não fizeram muito mais que porcamente administrar nossa miséria. Eles sabem disso e não é por ingenuidade que podem mais punição, é por cinismo.
      Por isso deixo um alerta à esquerda que pede punição à oposição. Foquem as críticas no cenário político. Se perdermos esta discussão, o risco não é só sofrermos com o enrijecimento penal da sociedade e da política, mas darmos força a atores políticos que sempre jogam nossos reais problema para de baixo do tapete.