segunda-feira, 6 de abril de 2015

A crise de abastecimento é reflexo da COMPETÊNCIA do governo

Por Cléber Atabike
Estamos no final da época de chuvas e nossos reservatórios tiveram ligeira elevação no nível de água. Talvez por isso, nas últimas semanas, tenha-se dado menos destaque à crise de abastecimento em comparação com o começo do ano. Mesmo assim o governo e a mídia continuam propagandeando que o consumo domiciliar desmedido é o grande culpado pela crise e que, se fecharmos nossas torneiras, o problema será solucionado.  
A população vem reduzindo o consumo doméstico. Por outro lado, necessitamos, mais do que nunca, de ações governamentais na expansão dos reservatórios; conservação dos mananciais; renovação da rede de distribuição de água e ampliação do tratamento de esgoto. 
Depois de todo sofrimento gerado com a atual falta d’água e as assombrantes perspectivas para o futuro seria de se esperar que a gestão dos recursos hídricos estivesse tomando outro rumo. Mas infelizmente não é isso que está acontecendo, e, por incrível que pareça, o motivo não é a falta de competência do estado.


 
Reservatório de Jaguari, do Sistema da Cantareira que fica em BragançaPaulista (SP)



          Lembremos que só em 2013 a Sabesp lucrou cerca de 1,9 bilhão de reais1 e 49,74% de suas ações estão nas mãos de acionistas privados, que vêm usando este recurso público para especular na bolsa de valores de Nova Iorque!2 Com a queda no consumo doméstico e os racionamentos, houve redução dos lucros da empresa em R$ 1 bilhão3. O governo estadual e seus sócios tentam agora manter seus faturamentos aumentando o preço das contas de água e esgoto. Em dezembro de 2014 elas cresceram 6% e agora, logo no começo de Abril de 2015, recebemos o anuncio que no meio do mês as tarifas aumentarão mais 13,8%. Por incrível que pareça, a Sabesp tentou cobrar tarifas ainda maiores, o que foi barrado pela Arsesp (Agência de Saneamento). Em outras palavras, a população paulistana, mesmo sofrendo todas as consequências da falta de água, ainda tem que pagar para repor o lucro perdido dos acionistas que geraram a crise!
Com menos água e com água mais cara, a corda quebrou pro lado dos trabalhadores assalariados. A Fiesp levantou que, em 2014, a redução do ritmo da produção e a queda da produtividade de 213 indústrias devido à falta d`água levou ao fechamento de mais de 3 mil postos de trabalho4. A tendência, segundo a própria entidade patronal, é que o quadro se agrave ainda mais. 
Demissões estão ocorrendo no próprio quadro de funcionários da Sabesp. Diminuir a folha de pagamento da “estatal” é mais uma estratégia para garantir os lucros dos investidores5. Além disso, a atual crise aumenta a carga de trabalho, pois muitos trabalhadores têm que fechar os registros diariamente, além de atender cada vez mais reclamações da população. Com menos funcionários a pressão no ambiente de trabalho será maior, o que deve piorar o atendimento à população. A tendência será a declaração de uma justa greve. Já imaginou o que isso acarretaria?
Mesmo assim parece que os sócios do estado estão totalmente tranquilos, provavelmente à beira de uma piscina em Miami, vendo o crescimento de suas contas bancárias e sem a preocupação em ficar sem água em casa. Mas quem vive em São Paulo tem que se preocupar com a proteção de nossos mananciais, tem que se preocupar com infra-estrutura de abastecimento de água e de coleta e saneamento de esgoto.
Hoje 79% dos mananciais paulistas estão destruídos e o governo ainda insiste em continuar esta devastação 7,8. Vale lembrar que a vegetação nestas áreas faz com que água se permeie pelo solo e encha os sistemas hídricos. 

Imagens de satélite que mostram a diminuição de área coberta por água no Reservatório Jaguari, do Sistema Cantareira, entre 2010 e 2014.  Fonte:  Site da Revista Época.


A especulação imobiliária, a pecuária e a agricultura são as grandes responsáveis pela perda desta vegetação e provocaram, por consequência, a baixa nos reservatórios. A figura abaixo sintetiza o que acontecia nos mananciais paulistas quando havia cobertura vegetal e o que está acontecendo hoje, quando grande parte da região não tem vegetação:


Ação do desmatamento nos mananciais hídricos


Um bom exemplo de descompromisso com a proteção dos mananciais é o Parque dos Búfalos, área de manancial na zona sul em São Paulo. A prefeitura de São Paulo se associou à construtora EMCCAMP para construir ali mais de quatro mil moradias com recursos do programa ‘Minha Casa Minha Vida’ (tratarei deste caso em outro texto).



Exemplo do valor paisagístico do Parque dos Búfalos, localizado em área de manancial da Represa Billings. Área é usada pela população do bairro para laser, além de ser refúgio de fauna e flora da Mata Atlântica.

Não é menos alarmante a situação do tratamento de abastecimento de água e coleta e tratamento esgoto. Segundo dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), só em 2012 a cidade de São Paulo perdeu 36,3% da água tratada principalmente devido a vazamentos na distribuição6. Com a diminuição de arrecadação, a Sabesp prevê investir somente R$ 843 milhões em rede de esgoto, menos da metade dos R$ 1,9 bilhões gastos em 2014. Lembremos que no estado de São Paulo 14% da população simplesmente não tem coleta de esgoto e a capital paulista trata somente 52,15% do esgoto que produz6. Fica fácil perceber porque praticamente não dispomos de rios limpos no nosso perímetro urbano.
Se a crise se agravar, pode sobrar somente as péssimas águas da Represa Billings para consumo residencial. O problema é que elas apresentam muito esgoto, com altas concentrações de metais pesados e poluentes orgânicos permanentes9. Haverá o iminente risco de caos na rede de atendimento de saúde pública se tivermos que usar estas águas. 
Mesmo com tanta omissão na garantia de água barata e de qualidade para a população, o estado se preocupa de maneira exagerada com o consumo domiciliar. No Brasil inteiro, 72% da água vai para o agronegócio, 22% para a indústria e somente 6% para residências 10. Na Grande São Paulo, mesmo com uma população de cerca de 15 milhões de pessoas, quase 21% do volume de água dos seus sistemas de abastecimento são fornecidos à indústria e à irrigação11. Ou seja, ao contrário do que as propagandas governamentais tentam nos vender, a economia doméstica de água minimiza um pouco o problema, mas não o resolverá sozinha.
Mas esta preocupação exagera tem motivo. Além de garantir o lucro dos seus acionistas, a Sabesp tem seus clientes privilegiados, que pagam até 75% menos na conta de água e esgoto se tiverem um consumo mínimo mensal de 500 mil litros. Entre eles está a Abril Comunicações, Ambiental Distribuidora de Água, Citibank, Itaú, Banco Safra, Bradesco, Bovespa, Carrefour, Igreja Pentecostal Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus, Mcdonald’s, Honda, São Paulo Futebol Clube, Siemens, TAM, Telefônica, os Shopping Centers Leste e Center Plaza, Itapecerica da Serra, Metrô Boulevard Tatuapé e Itaquera, além de planos de saúde, escolas e universidades particulares, metalúrgicas, condomínios fechados, empresas do ramo farmacêutico entre outros. O mais grave é que, mesmo com a crise evidente, novos contratos deste tipo (de demanda firme) vêm sendo assinados 12,13
A lógica é simples: a Sabesp é vista por seus gestores como uma empresa comercial, e sua mercadoria é a água. O que ela fez nos últimos anos foi simplesmente estimular quem consome muito a comprar mais a mercadoria que vendia. Não por acaso, o volume de água destinado a estas empresas aumentou 92 vezes em dez anos13.

Aumento de 92% no consumo de água, nos últimos 10 anos, de 526 empresas que têm contrato de consumo mínimo mensal de 500 mil litros (de demanda firme) com a Sabesp. Fonte: www.apublica.org13.



Ou seja, a “estatal” está tentando garantir que alguns setores da economia, que são sócios e donos do estado, não paguem pela crise que eles mesmos geraram. A diminuição do consumo domiciliar e o aumento das tarifas, na prática, estão financiando estes privilégios.
Com tantas mazelas pode parecer, à primeira vista, que a crise de abastecimento é consequência da incompetência governamental. Mas, como disse acima, é exatamente o contrário. É fácil perceber que o estado é um grande balcão de negócios e seus negociantes, convenhamos, negociam muito bem. A administração Sabesp deixa isto escancarado. É uma empresa de capital misto. Sua função, aos olhos dos seus gestores, é dar lucro, e nisto eles estão sendo muito competentes. 



Fontes


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