domingo, 12 de abril de 2015

Por um radicalismo verdadeiramente de esquerda


Por Cléber Atabike

Fiz segundo grau no meio da década de noventa e lembro quando professores me contavam como a polícia do Quércia descia o cacete em manifestantes nos seus atos. Durante quase toda minha vida ouvi falar que grevistas e manifestantes eram vagabundos. Hoje vivo uma época que a direita leva milhões de pessoas às ruas. O que terá acontecido?
     Acredito que tal discrepância se deve ao que aconteceu em Junho de 2013. Estou plenamente consciente que é pouco provável que viveremos algo semelhante. Quanto a isso não me lamento. O que é importante é que o mês foi um dos poucos momentos em que ideias radicais ganharam aceitação popular. O canal da insatisfação geral foram os manifestantes que realmente entendem a raiz dos nossos problemas, que não reconhecem a ordem vigente, não aceitaram a repressão e resistiram. 

Músicos famosos mostrando em 2013 aprovação aos manifestantes mais radicais, que usam a tática black bloc. Prova que o radicalismo não era tão mal visto como hoje.


Provas do que estou dizendo foi a inesquecível pesquisa do Datena:


Ou seja, as pessoas reivindicaram o direito à revolta, queriam protestos com “vandalismo”. A ordem hegemônica não importava, a mudança valia mais que algumas vidraças (cujos donos não eram aleatoriamente escolhidos) e que o trânsito de algumas vias.
Lembremos os fatos. A resistências à repressão, nos primeiros atos do Movimento Passe Livre (MPL), mesmo com toda violência policial, provocava as reações tradicionais de criminalização dos manifestantes e dos movimentos sociais, reforçada principalmente pelos meios de comunicação hegemônicos. O MPL insistiu com atos sucessivos e não incriminou os manifestantes mais radicais, o que geralmente não acontece com sindicatos e partidos políticos. O número de pessoas foi crescendo de um ato a outro. Até que a violência policial começou a vitimar jornalistas, pessoas de classe média e até mesmo transeuntes. 13 de Julho de 2013 talvez foi o dia que isto ficou mais claro e fez com que grande parte da imprensa se voltasse contra à repressão policial.


Cenas e consequências da violência policial do dia 13 de Junho de 2013


Despertou-se, então, o interesse de milhares em participar de protestos. E no dia 17 daquele mês manifestações gigantescas pararam várias cidades em todo o Brasil. Neste segundo momento via-se quase todas as tendências políticas nas ruas, inclusive manifestantes mais adeptos ao pacifismo e ao nacionalismo. Mesmo assim o radicalismo rolava solto. No próprio dia 17 o portão do Palácio do Governo do Estado foi derrubado. Nos dias 18 e 19 houve vários ataques a ônibus, lojas de grandes cadeias, carros de veículos de imprensa, fachadas de bancos e etc. Houve depredação na Prefeitura de São Paulo, invasão de trilhos e quebras de trem da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), bloqueio da Rodovia Raposo Tavares, da Ponte do Socorro, da Estrada do M’Boi Mirim e da via de acesso ao Aeroporto Internacional de Guarulhos. Fatos semelhantes ocorreram em vários locais do Brasil nestes dias.

Ataque ao Palácio do Governo do Estado em 17 de Junho de 2013


Esta explosão teve consequências profundas no nosso cenário político, a maioria positivas do ponto de vista da esquerda, mesmo sendo muito menos do que necessitamos. Houve derrubada do aumento das tarifas de transporte em mais de 100 cidades. Governantes se reuniram com representantes do MPL. O senado aprovou projeto de lei que torna corrupção um crime hediondo. O projeto da PEC 37 foi arquivado. Além de um patético pronunciamento em rede nacional, a presidente Dilma cancelou uma viagem, determinou que nenhum ministro deveria sair de Brasília, reuniu-se com prefeitos e governadores a fim de elaborar um plano (que não foi cumprido) para aumentar os investimentos em transporte público, defendeu a reforma política e o combate à corrupção e dezenas de outras medidas populares. Pediu apoio de sindicalistas para a realização do plebiscito pela reforma política e tentou convencer líderes sindicais a suspenderem uma greve geral que seria marcada para 11 de julho de 2013.
Ou seja, a simples ameaça de que a população pressionasse o poder a reestruturar o estado alarmou a classe política, que teve que ceder com algumas medidas populares, muito mais próximas às reivindicações históricas da esquerda.
As jornadas de Junho também deixaram um salto organizativo na sociedade. Surgiram inúmeros coletivos, a quantidade de ocupações de imóveis vazios teve um enorme salto, assim como o número de pessoas em atos de rua.
Retomo estes fatos para que não sejamos reféns das análises imediatistas, típicas dos nossos tempos. Este contexto, ocorrido a menos de dois anos atrás, parece que foi completamente esquecido tanto pelos organizadores quanto pelos manifestantes dos grandes atos que estão ocorrendo. Isto vale não somente para os protestos de direita, organizado pelos Movimento Brasil Livre (MBL), Revoltados On Line (ROL) e Movimento Vem Pra Rua (MPV), mas também paro os atos autointitulados de esquerda, como o do dia 13 de Março de 2015 chamado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o ato do dia 15 de Abril de 2015, chamada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Todos eles demonstram grande preocupação em se desvincular dos procedimentos mais radicais e ideias revolucionárias. Por isso acho que têm pouquíssimas chances de provocar tanto impacto como os ocorridos no meio de 2013, mesmo que ainda os superem em número.
Comparemos as Jornadas de Junho aos atos de direita, como o dia 15 de Março de 2015. Mesmo com a dispersão de pautas que surgiu, as Jornadas de Junho foram iniciadas pela esquerda verdadeira e sempre reivindicaram pautas de esquerda, como a redução do preço das passagens. Além disso pediam outro tipo de política, mesmo que de forma mal elaborada.
Já os protestos de direita trazem ideias essencialmente conservadoras e contraditórias, como pedir o fim da corrupção sem o fim do estado burguês, propagar o pacifismo junto com gente que pede a volta dos militares e/ou que agridem militantes de esquerda... Ou seja, são atos essencialmente antirrevolucionários. Que eu saiba, não causaram grandes impactos no governo além de somente alguns pronunciamentos oficiais de ministros. Também não deixam grandes legados à organização social, pois seus organizadores atuam com lógicas empresariais e não fazem trabalho de base. Suas pautas não reivindicam nada de novo: impeachment, falácia neoliberal estado desinchado e mais eficiente, volta dos militares, fim do suposto conflito de classes provocado pelo PT... A gente já viu tudo isso! Nem se quer confrontam a mídia burguesa. Pelo contrário, tem o apoio dela.
Lembremos que após Junho de 2013 grande parte do público não radical deixou de participar dos atos, facilitando a repressão do estado. Isto fortaleceu o discurso desleal de que os black bloc espantam os “bons manifestantes” das ruas, o que é falso pois quem realmente afasta as pessoas das ruas é a violência antidemocrática da polícia. Depois de Junho de 2013 o estado e os meios de comunicação aperfeiçoaram seus mecanismos de repressão. Protestos já estão previstos nos orçamentos das secretarias de segurança, nas agendas dos políticos e dos discursos da mídia hegemônica.
Portanto quem é verdadeiramente de esquerda tem que se esforçar para que o radicalismo volte às ruas e junto com ele as ideias esquerdistas. Isto não significa que proponho a simples destruição de propriedades privadas corporativas e burguesas como forma de luta. Não. A revolução nasce como consequência de longa mudança de consciência, de muito trabalho de base. O que penso é que devemos politizar a violência de manifestantes em atos de rua não somente com quem vai a protestos, mas também nas vilas, favelas, nos locais de trabalho.... Ao contrário do censo comum propagado pela imprensa, o “vandalismo” não deve impressionar mais do que a violência vivida diariamente nas periferias.
Os interesses partidários, o medo de perder o emprego, as concepções políticas conservadoras e reformistas e o imediatismo das análises fazem com que a maior parte das pessoas não tenha coragem de ser justa com o papel dos manifestantes radicais, que sempre enfrentaram e sofreram com as arbitrariedades policiais.
Nosso caminho é longo. Ainda conseguimos muito pouco. A sociedade está se organizando e isto continua invisível aos olhos da burguesia e da imprensa hegemônica. Sendo radicais trilharemos o caminho mais curto na construção da sociedade que queremos.







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